sexta-feira, 22 de abril de 2011

Filantropia de uma forma estruturada e estratégica

O fundador do Instituto Azzi, Marcos Flavio Azzi, explica na entrevista como pessoas físicas de alto poder aquisitivo podem fazer filantropia de uma forma estruturada e estratégica. A entidade funciona como a ponte entre o investidor social e a organização apoiada e realiza diligências para medir a qualidade da gestão, a solidez, a transparência e o potencial de impacto dos projetos. Também monitora o investimento realizado, com prestação de contas e mensuração do impacto gerado.

Somente em dois anos de funcionamento, o instituto conta com uma rede de doadores formada por 20 investidores, que aplicam cerca de R$ 50 mil por ano no setor social. Por meio das atividades realizadas pelo instituto, 40 ONGs da Grande São Paulo e do litoral paulista já foram beneficiadas e a meta é expandir as atividades para outras cidades brasileiras.

“A gente tem muito interesse em expandir nossas atividades. Qualquer lugar que tenha pessoas de alto poder aquisitivo, bem intencionadas e boas práticas sociais, é possível ter um trabalho como esse”, pontua Marco Azzi. Ele também destaca como o instituto atua e avalia o movimento de filantropia no país. Segundo Azzi, o setor tem mudado num ritmo acelerado e o conceito de doação a fundo perdido está com os dias contados. Acompanhe.

1) Responsabilidade Social - Se a cultura da filantropia vai florescer de verdade no Brasil, me aparece que vocês estão plantando uma boa semente. Como você teve a ideia de fundar um instituto que tivesse esse objetivo?
Marcos Flavio Azzi
– Em 1995 comecei a atuar na área comercial, em uma pequena corretora no centro de São Paulo, chamada Hedging-Griffo. Isso foi no início do Plano Real e a empresa buscava montar uma administradora de recursos e atuar em fundos multimercados e não apenas em fundo de renda fixa para proteger os investidores de uma hiper inflação mensal que o Brasil tinha na época. Esse discurso só teve eco em pessoas físicas de alto poder aquisitivo e que separavam uma parcela para investir nesse tipo de mercado. Fiz esse trabalho por 15 anos, fazendo hora comercial e conversando com investidores.
Em 2002, já como sócio da empresa que apresentava resultados expressivos, comecei a separar 3% do meu patrimônio para ser a verba de filantropia para o ano seguinte. Também nessa época comecei a reformar casas populares, um projeto de algo em torno de R$ 2 mil por moradia. Os beneficiados devolviam R$ 600 em dez parcelas de R$ 60. Mas esse valor não voltava para mim, ia para a associação de moradores, para garantir a subsistência da própria comunidade atendida.
Dessa forma, quando conversava com os investidores sobre fundos de investimento, também comentava sobre a diária social e a reforma das casas. Lembro que muitos deles me perguntavam: “Mas, se chega um bom projeto de idoso. O que você faz?”. Eu respondia: “Falo que não vou investir porque meu foco é a reforma de casa popular”. E isso gerava uma série de questionamentos sobre a própria atuação social dessas pessoas.
Eu percebi que o investimento de pessoas físicas feito na área social era muito fragmentado. Doa-se pouco recurso para muitas organizações; não há uma causa definida; e muitas vezes é um movimento, que eu diria, oportunista. Dessa forma surgiu a ideia de montar um instituto para organizar essa rede de doação, para que as pessoas pudessem investir melhor no social, e do outro lado, que conseguisse encontrar, claramente, qual é o foco de atuação desse investidor. De um lado, a gente tem uma boa prática de atuação dentro do foco escolhido e, do outro, boas organizações sociais capazes de entregar aquilo que o investidor espera.

2) RS - Quais as causas que os doadores mais procuram o instituto para apoiar?
MA
– A primeira é educação e de uma maneira bem ampla, com investimentos em educação regular e complementar, reforma de escola, doação de acervo para montagem de biblioteca, criação de brinquedoteca, entre outros. Em segundo eu indicaria projetos focados em crianças e adolescentes.
Agora está em andamento no instituto uma iniciativa voltada para maus tratos contra os animais. Uma vantagem da instituição é poder atuar em qualquer causa que a pessoa queira. Não há uma relação de boas práticas que a entidade ofereça. O instituto escuta as sugestões dos investidores e vai a campo buscar esses projetos.

3) RS - Como o instituto seleciona os projetos e quantas organizações vocês já apoiam?
MA
- Já temos quase 40 ONGs cadastradas. O processo começa após a reunião inicial com o investidor para descobrir qual é o foco em que ele deseja atuar. Com base nisso, fazemos contato com um grupo de pessoas que chamamos de ‘aliados sociais’. O grupo, composto por cerca de 80 pessoas de diversos setores, como institutos de empresas, organizações sociais, em comunidades, consultores, vai nos apoiar na busca pelos projetos, e não na seleção.
Finalizada essa fase, entramos em contato com as entidades indicadas e solicitamos o preenchimento de um formulário que contempla, mais ou menos, 60 questões com quatro frentes: atualidade e gestão; potencial de impacto; solidez e transparência. Tudo isso é ponderado no instituto. Temos uma metodologia para classificá-las e apenas aquelas que tiverem uma nota superior a sete podem continuar no processo.
Caso a instituição passe nesse primeiro crivo, nós a visitamos para comprovar se o que ela informou é coerente com a prática. Em seguida pedimos um projeto detalhado com informações como princípio, meio e fim da iniciativa, expectativa de resultado claro e mensurável, cronograma de desembolso, e prestação de conta.
Dessa forma, reunimos todas as informações necessárias, como qual é a ONG, qual é o projeto em questão e levamos para o investidor, para que ele possa analisar se é aquilo o que ele espera. Depois disso, assina-se um contrato entre as três partes (investidor, instituto e a organização), com os direitos e deveres de cada uma. Só aí tem início o projeto.

4) RS - Como vocês procuram investidores sociais? Quem é o perfil do investidor social ideal?
MA
– Nossos investidores são, principalmente, pessoas físicas, com poder aquisitivo um pouco mais elevado e que já tenha algum patrimônio. O investidor precisa estar disposto a dispor de uma porcentagem – seja de 1% - e que formará o montante de R$ 50 mil por ano, no mínimo. Para buscá-los, nós fazemos reuniões para apresentar o instituto. Há também indicação dos nossos investidores e a nossa base de contatos pessoais.

5) RS -Vocês exigem alguma periodicidade nas doações?
MA
– Não, mas o investidor tem que se comprometer até a conclusão do projeto. Tem projeto que dura um dia, por exemplo, a compra de dez cadeiras de rodas. É aquisição, a entrega, e acabou o projeto. E eu tenho uma iniciativa que é o reforço da gestão de uma organização social. Pode ser que esse projeto demore três anos. Então, está muito vinculado ao projeto. A partir do momento que o projeto é concluído, que se discute a continuação no próximo período.
Nunca procuro o investidor social com o projeto debaixo do braço. E sempre vai ser assim, porque o que a gente acredita é que só encontrando claramente o foco que está dentro do investidor, que ele se torna, de fato, um investidor social de longo prazo. E esse investidor envolve a mulher, envolve os filhos nessa ação. Ele pode, inclusive, brigar por essa causa numa festa, por exemplo. É diferente quando a gente consegue isso.

6) RS - Como vocês monitoram os projetos em andamento? A organização apoiada tem que enviar ao instituto relatórios financeiros e de atividades com uma periodicidade pré-estabelecida? Existe alguma ONG que não tenha recursos para fazer esses relatórios?
MA
– Sim. As organizações apresentam os relatórios e até hoje todas as entidades que têm projetos em andamento no Instituto Azzi não apresentaram dificuldades no preenchimento do documento. Logo no início elas são orientadas por uma equipe do instituto para preencherem de forma correta os relatórios. As instituições aprendem a prestar conta de uma maneira clara e transparente.

7) RS - Hoje o instituto atua apenas na Grande São Paulo e no litoral paulista. Você tem planos para uma atuação nacional, ou já conversou com algum parceiro para replicar a experiência em outro Estado?
MA
- A gente tem muito interesse em expandir nossas atividades. Qualquer lugar que tenha pessoas de alto poder aquisitivo, bem intencionadas e boas práticas sociais, é possível ter um trabalho como esse. Temos muito interesse em começar a estudar o Rio de Janeiro para o próximo ano. Eu acho o Rio uma cidade fantástica, com um capital humano maravilhoso, tanto de pessoas físicas de alto poder aquisitivo, quanto de excelentes práticas sociais, e que demanda uma ponte entre esses dois “mundos”.
Não só no Rio de Janeiro, como em Salvador, onde a gente tem um carinho muito forte pela cidade. Lá tem uma ponte clara para ser feita, além de Brasília, Curitiba, entre outras. No Brasil há um mercado muito interessante para organizações que tenham essa capacidade de unir as duas partes, que ainda estão muito distantes. É um trabalho não só para o Instituto Azzi.

8) RS - Qual é a meta de curto prazo do instituto, em termos de doadores?
MA
- A nossa meta para esse ano é conquistar 15 novos investidores, além de manter a nossa base atual. Para isso, a gente espera visitar 80 novos prováveis investidores para que, desses 80, haja uma conversão de 20%, que resultaria nesses 15 ou 16 doadores. O resultado apresentados até agora são muito bons. Estamos à frente da meta para esse último trimestre que passou.

9) RS - Como você está vendo a evolução da ideia de filantropia no Brasil, com as pessoas que você conversa?
MA
- Acho que está evoluindo mais rápido do que eu, inclusive, imaginava e vale lembrar que estou nessa área há oito anos. Eu vejo que o conceito de doação a fundo perdido, sem saber o que está sendo feito com o dinheiro, apenas pela boa intenção de doar, está acabando e rápido. E muitas organizações sociais não se depararam com esse problema ainda.
Na minha avaliação, esse setor está se profissionalizando cada vez mais depressa. Eu tenho ficado muito bem impressionado quando vejo executivos de empresas saindo para se tornar executivos de organizações sociais, um movimento que não existia há cinco anos. Além disso, tenho visto demanda de faculdades para que tenha aulas sobre terceiro setor e de boas práticas sociais porque os próprios alunos têm solicitado.
Eu fico muito bem impressionado quando vejo alunos recém-saídos da faculdade, de Administração, por exemplo, interessados em iniciar uma carreira no terceiro setor, seja em microcrédito, inclusão digital, ou outras coisas desse tipo. Na minha época, há quinze anos, isso não acontecia. Era caridade pura e as organizações sociais eram caritativas. Hoje não. Mudou muito. Então, eu vejo com muito bons olhos. Eu acho que a gente vai ter uma onda de evolução.

10) RS – O que o senhor entende por responsabilidade social?
MA
- Ser capaz de ter uma visão ampla do mundo ao redor, do mundo próximo no círculo familiar, no dentro de casa, no entorno, e na sociedade como um todo. Reconhecer que o que nos cerca, pessoas e demais seres vivos, precisam ser cuidados, ter carinho. Ter sensibilidade ao se defrontar com as inúmeras situações que nos deparamos da hora que levantamos até a hora que nos deitamos para encerrar o dia.


Fonte: http://www.responsabilidadesocial.com/index.php

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